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LOTES IRREGULARES: STJ DECLARA NULIDADE DE CONTRATOS ENTRE PARTICULARES

A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) representa um marco na interpretação de contratos de compra e venda de lotes irregulares entre particulares, isso porque, em outubro de 2024, o STJ julgou o REsp n.º 2.166.273/SP, em que reafirmou a nulidade de contratos de venda de terrenos, quando não há o registro do parcelamento do solo no competente registro de imóveis, aplicando a Lei 6.766/79, conhecida como Lei de Parcelamento do Solo Urbano.

Essa decisão, além de esclarecer pontos essenciais sobre a legalidade de tais transações, expõe os riscos e as implicações legais para quem atua na comercialização de terrenos urbanos. Vamos explorar o que está por trás do entendimento do STJ e como esse julgamento pode impactar o mercado imobiliário.

O artigo 37 da Lei 6.766/79 estabelece que qualquer parcelamento do solo para fins urbanos precisa ser aprovado pelos órgãos competentes, sendo vedada à venda ou promessa de venda de lotes em loteamentos ou desmembramentos não registrados. Neste sentido, a decisão do STJ vem para reforçar que essa vedação se aplica igualmente para contratos firmados entre particulares, independentemente de haver uma relação de consumo entre as partes.

Esse é o ponto fundamental da decisão do STJ, pois evita a interpretação de que acordos entre particulares poderiam escapar à aplicação da lei. Para o Tribunal, contudo, qualquer tentativa de comercialização de terrenos em loteamentos ou parcelamentos não registrados infringe normas essenciais do ordenamento urbano, devendo ser considerada como um contrato com objeto ilícito, tornando o negócio jurídico nulo.

Outro aspecto relevante é que, no caso analisado, o comprador tinha conhecimento da irregularidade do lote no momento da aquisição. Isso, contudo, não alterou o entendimento do STJ. Segundo a Ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, o conhecimento do adquirente sobre a situação irregular do imóvel não convalida o negócio, que permanece nulo. Nesse tipo de situação, o Tribunal determina o retorno das partes ao status quo ante, tornando sem efeito todos os atos do contrato até então ocorridos.

Essa decisão segue a previsão do artigo 166, inciso II, do Código Civil, no sentido de que é nulo o negócio jurídico cujo objeto seja vedado por lei.

Para além das questões jurídicas, a previsão contida na Lei 6.766/79 tem por objetivo a proteção dos aspectos sociais e ambientais. Nessa linha, a não observância da decisão do STJ e da própria previsão legal, pode acarretar:
•⁠ ⁠Problemas de infraestrutura: Bairros sem planejamento dificultam a instalação de serviços essenciais, como equipamentos públicos, transporte público, rede de energia elétrica, de abastecimento e de saneamento e coleta de resíduos.
•⁠ ⁠Riscos ambientais: A urbanização sem controle impacta negativamente o meio ambiente, causando erosões, alagamentos e contaminação de recursos hídricos – especialmente quando ocorre na proximidade de represas.
•⁠ ⁠Oneração do poder público: A expansão desordenada da malha urbana aumenta os custos de manutenção e infraestrutura, recaindo sobre o orçamento municipal e, por extensão, sobre toda a sociedade.

Para o STJ, essas implicações justificam a interpretação rigorosa da lei, impedindo que loteamentos irregulares sejam validados por meio de contratos firmados entre particulares.

A nosso ver, a decisão do STJ nos traz três conclusões:
(a) o rigor na regularização dos imóveis é imprescindível para evitar problemas jurídicos e prejuízos financeiros, uma vez que a ausência de registro do lote configura irregularidade suficiente para declarar a nulidade do contrato, ainda que o comprador aceite ou tenha ciência da situação;

(b) a regularização fundiária não é apenas uma exigência burocrática, mas uma prática de proteção ao mercado e ao ordenamento urbano. Loteamentos irregulares não apenas geram contratos nulos, mas também colocam em risco o patrimônio de todos os envolvidos; e

(c) o estímulo do setor a adotar práticas de compliance imobiliário, assegurando que cada terreno negociado cumpra todas as exigências legais. Para loteadoras e incorporadoras, essa conformidade pode se tornar um diferencial competitivo e uma garantia de segurança jurídica para os clientes.


Veja o Acórdão do Recurso Especial n.º 2.166.273/SP

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