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CONTRATOS DE LOCAÇÃO ASSINADOS ELETRONICAMENTE E O REGISTRO IMOBILIÁRIO: NECESSIDADE DE CONFORMIDADE JURÍDICA

A digitalização dos contratos de locação tem simplificado as negociações imobiliárias, mas trouxe novos desafios jurídicos. Em uma recente decisão, o Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo reafirmou a importância de atender às exigências legais para registro de contratos digitais em matrículas imobiliárias. No caso, foi negado o registro de um contrato de locação com cláusula de vigência e direito de preferência, assinado por meio da plataforma DocuSign.

O problema? As assinaturas eletrônicas não atendiam ao padrão “qualificado” exigido para atos imobiliários, conforme o artigo 5º, § 2º, inciso IV, da Lei nº 14.063/2020. Essa legislação estabelece que, para atos de registro e transferência de bens imóveis, é obrigatória a assinatura eletrônica qualificada, que utiliza certificados digitais emitidos pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).

O caso em detalhes

A apelação (TJSP, Apelação Cível nº 1094448-02.2024.8.26.0100) foi interposta por uma empresa que alegava a validade das assinaturas eletrônicas avançadas utilizadas no contrato, conforme o artigo 4º, inciso II, da própria Lei nº 14.063/2020. No entanto, o Tribunal ressaltou que a assinatura “avançada”, embora válida entre as partes, não possui o nível de confiabilidade exigido quando se tratando de atos de transferência e de registro de bens imóveis.

A decisão explica o que vem a ser uma assinatura eletrônica qualificada e a diferença para assinaturas simples e avançadas. 

A assinatura eletrônica simples é a que anexa ou associa os dados de quem subscreve no formato eletrônico e, dessa forma,possibilita a identificação do signatário. Exemplos de assinatura eletrônica nesse formato é a assinatura de um e-mail e a escolha da opção “concordo” ou “assine aqui” numa caixa de seleção. Ela, todavia, não garante que o subscritor do documento seja legítimo.

A assinatura eletrônica avançada é aquela hábil a se associar ao signatário de maneira única, como, por exemplo, por meio de token, biometria ou senhas únicas e temporárias recebidas por e-mail ou mensagem de texto. No RESP supra referido, reconheceu-se que “a assinatura eletrônica avançada seria o equivalente à firma reconhecida por semelhança”.

Por fim, a assinatura eletrônica qualificada é a que utiliza o certificado digital e ostenta o nível mais elevado de confiabilidade, tendo sido equiparada “à firma reconhecida por autenticidade” no julgamento do RESP mencionado. Segundo o artigo 4º, III, da Lei 14.063/2020, a assinatura eletrônica qualificada é a que utiliza o certificado digital, nos termos do § 1º do art. 10 da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, ou seja, aquele disponibilizado pela ICP-Brasil.

Como explicado na decisão, o contrato buscava:

Registro da cláusula de vigência (art. 167, I, 3, da Lei de Registros Públicos – Lei nº 6.015/1973): fundamental para assegurar a continuidade do contrato mesmo em caso de alienação do imóvel.

Averbação do direito de preferência (art. 167, II, 16, da Lei nº 6.015/1973): garantindo ao locatário a prioridade em adquirir o imóvel em eventual venda.

No entanto, o registro foi recusado porque as assinaturas digitais não foram emitidas pelo padrão ICP-Brasil, inviabilizando sua validação no portal oficial (verificador.iti.gov.br), como exige o item 366 das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo.

O impacto jurídico e empresarial

A decisão reafirma os seguintes pontos:

1. Confiabilidade do registro público: o artigo 5º, § 2º, inciso IV, da Lei nº 14.063/2020 deixa claro que apenas assinaturas qualificadas podem ser usadas em atos de registro e transferência de bens imóveis. Esse rigor busca proteger terceiros e garantir a segurança jurídica das transações.

2. Autonomia privada limitada: embora a Lei nº 14.063/2020 reconheça a validade de assinaturas avançadas em diversos contextos (art. 4º, inciso II), o artigo 5º define limites claros para situações específicas, como o registro imobiliário, onde é exigido o mais alto nível de confiabilidade.

3. Alternativa física: apesar da digitalização, o TJSP destacou que o registro ainda pode ser feito mediante apresentação do contrato em papel, com assinaturas físicas e reconhecimento de firma por autenticidade, conforme o artigo 221, inciso II, da Lei nº 6.015/1973.

Reflexos no mercado imobiliário

Para proprietários de imóveis, locatários corporativos, fundos de investimento imobiliário e empresas de galpões logísticos, por exemplo, essa decisão reforça a importância de adequar seus processos contratuais à legislação. O uso de plataformas digitais como DocuSign, embora prático, não elimina a necessidade de conformidade com as exigências legais específicas do registro público.

Um alerta para o futuro

Essa decisão evidencia a necessidade de equilibrar inovação tecnológica e segurança jurídica. Em um mercado que valoriza a agilidade, a exigência de assinaturas qualificadas pode parecer um retrocesso, mas garante proteção tanto para as partes envolvidas quanto para terceiros.


Leia a decisão do CSM/TJSP

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